Arthur Rackham
Fui apenas uma vez à Bienal de São Paulo, em 2016, quando transitar entre regiões ainda não era um custo impossível. Com um ajuste aqui e ali, dava para encaixar viagens interestaduais. Na época, anterior à publicação de Fisheye, conheci pessoalmente amigos queridos e distribuí cartões de visita que nunca receberam resposta.
Nesse ano, me organizei para ir para a Bienal do Rio em 2025. Passagem comprada, hospedagem na casa da minha prima, tudo certo. Mas ninguém espera passar dez meses desempregada, sujando o nome pela primeira vez após muitas entrevistas de emprego que não me levaram a canto algum. Para a dívida não agigantar - mais -, pedi reembolso das minhas passagens. Os e-mails que enviei, perguntando sobre como participar de estandes, também nunca retornaram. Desconhecida como sou, não valho o tempo de um e-mail em retorno.
Mas, nessa semana, falei "em 2026, vai rolar São Paulo!" Coisa de minutos depois, pensei: "vai mesmo?" A dívida tá gigante, e tenho sonhos que requerem investimento também. Sonhos que não alimento só, mas com o homem que escolhi como companhia há quase vinte anos. E, pela primeira vez em uma década, cheguei à conclusão de que não valia a pensa a despesa financeira. Quando se investe - sozinha - no próprio trabalho, sendo uma trabalhadora e tendo uma única fonte de renda, certos gastos se tornam impossíveis.
Gastos, sim, porque escrita, para mim, ainda é dinheiro que vai e nunca volta. Quase como um hobby caro, hobby que também é trabalho. Na vida da escrita, precisei escolher se eu desrespeitava meu ritmo lento, moroso, em prol de uma produção em escala industrial, ou se seguia meu próprio funcionamento que, por mais demorado que seja, dá um resultado sem muito desgaste físico e mental. Decidi que não faria da escrita uma fonta de renda, e que todo dinheiro gasto em livros e processos editoriais voltaria para os livros, como o fluxo de caixa de uma empresa. Meu aporte é baixo, pequeno, porque eu mesma não tenho como aumentar os valores. Se estivesse ao meu alcance, eu daria o mundo em prol dos meus projetos. Faço aquilo que posso.
Amarguei quando pensei pela primeira vez que, talvez, fosse mais jogo resolver minhas pendências e reservar uma grana para meus projetos com Diego do que entrar em outro ciclo de dívidas para participar de um evento fora da minha rota. A centralização da arte no Sudeste mói quem está tão distante desses espaços. Ainda nesses dias, a escritora Fernanda Castro explicou sua ausência na edição de 2024 do Prêmio Jabuti, em que ela figura como uma das finalistas. Sem um apoio da editora que a publica e sem qualquer retorno a respeito da instituição responsável pela premiação, Fernanda foi sincera: não vale a pena pagar para ser premiada, ida e volta que não custam menos do que dois salários mínimos. Sua ausência à premiação foi, portanto, uma escolha pessoal.
Sei dos valores porque não moro muito longe de Fernanda. Se comprada com antecedência, ainda assim a passagem seguirá na casa dos quatros dígitos - se em cima da hora, chega a custar três ou mais salários mínimos. Apenas uma viagem entre estados, sem contemplar os gastos com deslocamentos, alimentação, acomodação. Em síndrome do elogio ao "eu", me deparei com pessoas fazendo comparações desonestas - querendo, acima de qualquer coisa, um protagonismo no pódio das dificuldades. Puseram as horas viajadas de ônibus em patamar similar aos custos de uma ponte entre regiões diferentes do país. "E eu? Eu também sinto dificuldade! Vocês são privilegiados por morarem em capitais", disseram. Mas ignoraram os números e as possibilidades que se têm quando existe tal quantia em uma conta bancária.
Três salários mínimos, para uma parcela da população, corresponde ao salário do mês. É mais do que muitos brasileiros recebem por dias trabalhados. É a soma de uma dívida com o banco, a razão da inadimplência de muitos. É a possibilidade de comprar um eletrodoméstico novo, o investimento em um curso que abrirá portas na carreira de um trabalhador. É, em casos mais extremos, o valor de um remédio de uso recorrente. É a reserva de emergência, um processo editorial independente em alguns casos. É muito, e também nada para quem tem mais posses.
No momento em que um evento cultural se centra em apenas uma região do país, a mensagem é clara a respeito dos nomes que devem figurar listas que verdadeiramente importam. Quem não está dentro desses limites, que lute. Que comam brioches. Que pena. No momento em que um país se volta para um único ponto no mapa, regionaliza-se quem não compartilha o mesmo CEP. Limita-se, dificulta, põe-se em categorias menos importantes tantas vozes habilidosas. Dá o veredito a quem cria: o que é mais importante para você? Sua carreira? Seu mercantil mensal? Suas contas pagas e nomes limpos? Se fazer visto por quem detém o poder da cultura brasileira?
Me vi em Fernanda, e em mais tantos outros artistas que priorizam necessidades e urgências porque não há outra coisa a se fazer. Me vi em cada palavra indignada que habitou as redes nos últimos dias, e nas conversas doloridas que tive com amigas do meio. E percebi que, por mais amargo que seja esse sabor, é o necessário. Escrever vale o mundo, mas só sabe o que é uma dívida no Serasa quem já teve o nome sujo.
E, nessas situações, a literatura seguirá nos últimos lugares do pódio das hierarquias.
Senti na alma.